20 julho 2004

There's a Storm Outside...

And the gap between crack & thunder...
Crack & Thunder...
is closing in...
is closing in...
 
Inacreditável que esse tipo de coisa possa acontecer. Mas... 

Estou fazendo minha residência médica de pediatria na USP-SP, um dos melhores serviços do país. Temos um estágio de treinamento em ambulatório que se extende por todo o ano. A intenção é adquirir desenvoltura com a consulta pediátrica - que é cheia de peculiaridades - e travar contato com as patologias mais comuns, ao mesmo tempo em que treinamos algumas habilidades, como confiança no ato médico, vínculo com o paciente, desenvoltura emocional, postura perante dificuldades, etc.
A rotina é a seguinte: atendemos um paciente em nosso consultório, realizando anamnese e exame físico, e em seguida discutimos o caso com um pediatra-assistente, em particular. Após a discussão do caso e estabelecimentos das condutas a serem adotadas - exames, medicamentos, orientações, encaminhamentos, etc., voltamos ao consultório para orientar os pais ou o paciente. Tudo isso sob orientação de experientes pediatras, com nome e renome nacional e internacional, extremamente competentes em sua área.
Pois bem. Tinha tudo pra ser algo formidável para nossa formação em pediatria. Mas não está sendo...

Diversos pequenos entraves estão sendo um verdadeiro muro ao nosso progresso.

Em primeiro lugar, não sei quem foi o Joselito "Sem Noção" que inventou que a consulta pediátrica tem que durar 15 minutos. Não dá tempo nem pra examinar o guri! Temo consultas marcadas a cada 30 minutos, umas 8 consultas/dia. Entre realizar a consulta, discutir o caso, e encaminhar as condutas, leva-se muito mais tempo que isso. Uns 15 minutos a mais, pelo menos. Resultado: sempre estamos atrasados e correndo contra o relógio, afinal, os pacientes não têm nada a ver com isso, têm seu horário de consulta marcado e merecem que nós respeitemos isso. Essa nossa "pressa" acaba nos levando a realizar uma consulta muitas vezes incompleta, sujeita aos erros mais diversos, a esquecer de abordar pontos importantes e causar problemas na discussão ou condução do caso. Sem falar que não dá tempo de nos centrarmos em aprender ou desenvolver habilidades com tamanha correria. Aliás, correria esta que é "catalisada" pela pressa dos pediatras-assistentes em ir embora cedo. Mais ou menos às quatro da tarde, fazem um "remanejamento" dos pacientes que ainda esperam atendimentos, e passam casos de residentes sobrecarregados para os que estão mais folgados naquele dia. Aparentemente uma boa atitude, não fosse o fato de os residentes e os pacientes nunca serem questionados a respeito - será que o paciente quer abrir mão do médico que o acompanha e vice-versa? Onde fica o vínculo, que com tanto zelo os pediatras-assistentes nos exaltam a perseguir?
É deprimente e desistimulante trabalhar um paciente, estudar seu caso, desenvolver uma relação de confiança e troca para de repente ver esse vínculo quebrado por uma pressa que não tem nada de construtivo...

E as aulas teóricas? Ao longo do ano, se propõe um calendário de aulas com temas interessantes muito comuns na prática diária do ambulatório de pediatria, o que provavelmente nos daria um forte embasamento teórico para a atividade de campo. Único problema - as aulas são às quartas, ao meio-dia, um horário TOTALMENTE incoveniente, para os residentes e para quem ministra as aulas... Será que ninguém, repito, NINGUÉM pensa que com uma qualidade de vida degradante jamais se forma um bom médico? Quantos colegas chegaram atrasados, por terem sido liberados em cima da hora de serviços que ficam a kilômetros de distância... Quantos deixaram de almoçar para poder estar presentes à atividade... Quantos dormem em plena aula ao som de um monólogo numa sala escura após uma noite acordado de plantão... Não seria muito mais produtivo realizar discusões e seminários com grupos menores, sobre os mesmos temas? Isso podia ser feito no momento do preparo de casos, por exemplo!

Ah, o preparo de casos... Uma vez por semana, nos reunimos com um pediatra-assistente para discutir os casos que serão atendidos na semana seguinte... Uma atividade salutar, que deveria estimular o nosso raciocínio clínico, nossa capacidade de apresentação de um caso clínico, nosso planejamento para cada paciente em particular... Mas muitas vezes é apenas uma tarde cheia de monólogos, que não explora um décimo do seu potencial para nossa formação. Os seminários, por exemplo, seriam uma ótima inovação. Se bem que na verdade, cada grupo de preparo de casos tem um pediatra-assistente diferente e isso acaba implicando em diferenças na condução da atividade, para melhor ou pior. Apesar de neste caso eu estar pessoalmente satisfeito, acho que ainda cabem melhorias importantes, principalmente na postura dos orientadores, dos pediatras-assistentes.

Confesso que no início eu demorei a me situar, a corresponder ao que era solicitado, não conseguia estudar e me propor a um bom trabalho. Havia um misto ansiedade com o peso da saudade e mudança, a adaptação a uma nova ordem completamente estranha e a rotina extenuante que se erguiam como obstáculos a um bom desempenho. Hoje superei a maioria deles - gostaria talvez de um pouco mais de tempo livre para estudar. Porém, ainda sinto uma distância entre o que estou fazendo e o desempenho que gostaria e sou capaz de obter.

Agora, no meio do ano, é a época de se avaliar a atividade. triste é ver que pouco se pensa na correção de trajetória, numa avaliação continuada, em abordar e corrigir os erros de maneira imediata, breve, concisa, estimulante e constrututiva. Nada disso. Após uma prova subjetiva com, pasmem, "gabarito" (que avaliou com rigorosidade o conhecimento das condutas do serviço, e nada inferiu a respeito da nossa capacidade de abordar e conduzir o caso clínico dentro do que se espera para o caso apresentado), e de uma avaliação pessoal dos pediatras-assistentes que nos acompanham mais de perto no campo, somos comunicados de um veredito. Ou estamos liberados para conduzirmos sozinhos os nossos pacientes (exceto os casos novos, os complicados e as altas), num reconhecimento ao nosso sucesso na atividade - não importa se já estejamos seguros ou não para tal -; ou, sob a forma de sermão, somos "convidados" a nos esforçar e melhorar nosso desempenho, sob a ameaça de não sermos considerados capazes de passar ao próximo ano da residência em pediatria...

Claro que isso criou um clima supertenso entre todos os residentes, já que após a fatídica prova, os pediatras-assistentes confessaram aos quatro cantos seu desgosto com os resultados... Parecia que cabeças iriam rolar a qualquer momento, ninguém sorria mais, quem jah beirava a depressão, mergulhou nela de vez; Enfim, foi tudo, menos uma coreção de trajetória construtiva... Será que alguma vez o conceito de orientação e avaliação construtiva entrou no planejamento ou no trabalho de algum dos pediatras-assistentes do ambulatório? Provavelmente sim, mas ainda está longe, MUITO longe do que deeria estar acontecendo.
Pequenas mudanças construtivas fariam grandes diferenças não? E qual é o esforço pessoal que estamos fazendo em mudar as coisas para melhor? Será que estamos nos conformando?

É preciso lembrar que há muito tempo não somos mais alunos ingênuos. Somos MÉDICOS. Mal-formados, mas somos médicos, e nem sempre lembramos disso, nem sempre nos portamos como tal no dia a dia. Talvez por isso alguns pais solicitem: "queremos ser atendidos pelo médico, não pelo residente"...
Espero que cada colega tenha a calma e a paciência de tapar os ouvidos ao nocivo, ao degradante e ao negativo, a tudo que pode não lhe fazer bem; ao mesmo tempo, ter a consciência de sua situação, suas capacidades e habilidades, e busque num esforço pessoal corrigir o que precisa em si, almejando sua formação enquanto um bom pediatra...
Não dêem ouvidos ao que é perjorativo, ao autoritário e ao competitivo. Pensem, meus amigos, construtivamente. Tenham uma postura construtiva. Perguntem, questionem, sugiram, ajam.
Pelo nosso bem e de nossos pacientes.

A quem quer que leia isso, é só o que peço e espero: pensamento crítico e construtivo, em prol de um boa formação, para nós e para os que virão.

Abraço forte,

Leo.

Ps.: Plantão sussa, o maior frio lá fora, pai nenhum se arrisca a botar os filhos pra fora de casa com um tempo desses... Previsão de bom soninho...
:)

* Lennon is taking Sean to the doctor *

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